sábado, 21 de setembro de 2013

Sobre drogas e criminalização da pobreza

Uma pequena ressalva : O texto estava gerando uma pequena polêmica pela minha posição a FAVOR da descriminalização , como dito nos parágrafos finais, ter passado despercebida.

O que irei escrever aqui será considerado extremamente conservador. Mas esses dias vendo uma biografia de Hannah Arendt sai do cinema como quem ouve um sermão, como se Hannah tivesse me dito – Tenha coragem, defenda suas posições, mesmo que isso te custe amizades e prestígio. Se você pertencer a política ou a qualquer outra classe hipócrita, talvez esse não seja um bom conselho, mas se pretende ser livre e sincero com seus ideais, esse conselho nunca te deixará morrer com a melancolia daqueles que preferiram se silenciar.
Não é segredo que muito provavelmente eu vá fazer um TCC relacionado a criminalização da pobreza, mais especificamente em relação ao tráfico de drogas. Até ai tudo bem, estou ao lado de gente que sempre quis estar, que tenta lutar contra um Estado em que o valor econômico é considerado muito superior a dignidade humana.
A questão complica – e aqui me torno o conservador careta e hipócrita – quando na esfera pessoal me coloco terminantemente contra o uso de drogas, inclusive com certo despeito em relação a essa “esquerda” dita libertária. Aqueles que conhecem meu passado vão dizer que não faz muito tempo experimentei isso ou aquilo – é verdade, não nego.
Mas a gente muda e com o tempo se torna “conservador”, acredito que no caso não seja bem o tempo, mas a reiterada tentativa de enxergar o outro. Maconha não é pior que álcool, e para comprovar isso não precisamos de muitos dados e pesquisas, basta uma análise rápida sobre os motivos dos acidentes no trânsito, brigas de bar e coisas do tipo, que no final trazem estatísticas assustadoras sobre o efeito perverso do álcool na mente humana.
Então porque o problema com o uso de maconha? Não faz mal! É natural!. Sim, talvez não faça, não conheço os estudos sobre os efeitos do THC, mas conheço o mal que essas drogas causam em um Estado como o nosso. Tive um amigo de infância – pobre – que foi preso e vem cumprindo pena por tráfico, é a história de um menino filho de caseiros, sem nome, que desde sempre foi chamado por seu apelido, é a história de alguém que ia para uma escola onde apenas duas professoras eram formadas e que a palavra faculdade era totalmente desconhecida.
Esse meu amigo de infância que foi tomando um caminho bem diferente do meu – que tenho mãe professora e condição econômica muito melhor – cresceu por ali, um dia arranjou uma namorada, não continuou na escola já que não havia muito o que fazer nela. O Estado nunca foi presente na sua vida, o exemplo de Estado que ele tinha era sempre o pior, política corrupta e nenhum serviço prestado, ou seja, não conhecia o Estado.
Embora soubesse que tráfico as vezes mata e encarcera- quando você é o bobo da vez -, ele preferiu se arriscar achando que com ele seria diferente, nem carteira de motorista ele tinha, andava em uma moto antiga para cima e para baixo e acreditem ou não, isso na sua comunidade já demonstrava certo poder econômico que o tráfico proporcionou para ele, proporcionou também uma prisão por crime hediondo em que a pena mínima a ser cumprida são cinco anos.
Cinco anos de cadeia, cinco anos sentindo o cheiro de merda, de gente sem tomar banho, encarcerado, tratado como bicho. É isso o que a classe média “rebelde”, “revoltada” amiga da erva financia. Estou sendo autoritário, eu sei, essas pessoas costumam ser simpáticas e ver na maconha além dos seus “efeitos” um ato de afronta a sociedade conservadora, embora eu conheça leitores cativos de Veja e racistas até o osso que fumam maconha diariamente.
Para citar outro exemplo, vou falar de duas amigas que fiz quando estava no intercâmbio na Europa, as duas colombianas. Estávamos conversando em um albergue, falávamos sobre a Colômbia, sobre o café e o feijão de lá, as coisas de milho, a proximidade com a cultura brasileira, quando duas argentinas entojadas, sustentadas logo após por um conservador brasileiro vestido à alternativo, vieram perguntar sobre as drogas, inclusive com uma provocação desrespeitosa do tipo – Ah... então você vai me falar que os nativos de lá não usam droga?
Terminada a conversa ele veio me dizer o quanto doía nela essa associação que sempre faziam da Colômbia e dos colombianos ao tráfico, do preconceito nos aeroportos, da dificuldade em conseguir vistos e pior...muito pior, o quanto a droga destrói e mata o povo da Colômbia, separando famílias inteiras, deixando mães desamparadas, tudo para suprir a necessidades dos malucos beleza do mundo inteiro e principalmente dos EUA – E não, os nativos não usam cocaina, é sim coisa de burguês por mais doída que possa ser essa afirmação!
Saindo da terra das nossas hermanas a coisa não é muito melhor, talvez muito pior. Hoje no Brasil você fica menos tempo preso se cometer um homicídio primário, do que se estiver portando um quilo de maconha, as mulheres presas por tráfico aqui em Goiás em sua maioria foram presas quando estavam levando drogas para seus maridos traficarem no presídio, porque a forma de viver do peixeiro é vendendo o peixe e a forma de viver do traficante continuará sendo vender a droga, ele precisará sobreviver dentro do presídio. Muito ao contrário do que os noticiários do meio dia dizem, nada em um presídio é gratuito a não ser é claro... a dor, a saudade e o sofrimento.
Sou contra a criminalização? Sim, é uma luta da qual quero participar atualmente. Não acredito que prisões melhorem os indivíduos ou sirvam para coibir o crime, ao contrário do que muitos pensam a pena de morte, as lesões corporais etc. são praticadas no Brasil diariamente, o problema com o crime vai muito além da criminalização de condutas, e não é preciso ser jurista para saber, basta ver um “Estado policial” como o estadunidense para saber disso, eles consomem 50 % da droga mundial.
Se todo o tráfico deve ser descriminalizado ou se de acordo com a quantidade, a relevância, o tipo de entorpecente etc. isso eu não sei, é preciso ser feito um estudo sério pois não adianta o holandês ser livre para usar cocaína se é na Colômbia que a coca é plantada. A produção, distribuição e toda a cadeia da droga deve ser analisada. Costumamos nos preocupar só com o usuário, principalmente se este for alguém próximo, mas esse pensamento é essencialmente individualista, se a droga pode ou não fazer mal ao filho do “cidadão de bem – bens” ou ao nórdico europeu holandês, é certo que ela atrapalha comunidades inteiras - e até países inteiros – relacionados com sua produção e distribuição.
Livre para consumir até o brasileiro é, desde que tenha condições financeiras para tal. Então burguês, meu amigo classe média – assim como eu – usar droga não é nem um pouco “alternativo” ou diferente, não passa de mais uma demonstração de que no Brasil há diferença entre direitos segundo a classe. Da mesma forma que criticamos alguém que diz “Você sabe com quem está falando?” podemos criticar os filhinhos da classe usando maconha em shows de Rock, é a mesma sensação de impunidade que leva a realização desses atos.
Uma última ressalva, compreendo que o THC e mesmo a folha de coca tem sim seus efeitos medicinais, e defendo a descriminalização (feita de modo pensado) inclusive para o avanço nos estudos em relação a essa perspectiva medicinal, não critico os dependentes e nem aqueles pra quem a droga (principalmente no caso do THC) faz mais mal do que bem, a crítica aqui não é a droga em si, mas sim a criminalização ligada ao seu uso, criminalização essa que atinge principalmente os mais pobres.
E se o exercício de alteridade quando falei a respeito do meu amigo preso, ou o relato das colombianas não for suficiente, pense em uma coisa de segunda importância, pense em você mesmo – de segunda importância sim, porque uma sociedade humanista só existe quando se pena primeiro no outro.
O ser humano é um ser político e embora queiramos fugir às nossas responsabilidades isso não é possível, nossas ações a todo momento afetam o mundo em que vivemos. Claro né!? Mas a maioria das pessoas parece que não enxerga isso. É preciso voltar os olhos para os discursos que estamos reproduzindo, o que eles contemplam, o que eles não contemplam, se eles atingem o foco principal do problema, que volto a dizer é a criminalização da pobreza, em um Estado cada vez mais policial.

Um comentário:

  1. Você pediu que quando eu entrasse no seu blogger era para identificar. Me adiciona no Face https://www.facebook.com/diego.barbacena.5
    Nós nos conhecemos na palestra sobre segurança pública da UFG.
    Seu blogger é fantástico, parabéns.

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